O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (26) o projeto de lei de iniciativa popular conhecido como Dez Medidas contra a Corrupção, que prevê também a criminalização do abuso de autoridade cometido por magistrados e membros do Ministério Público (PLC 27/2017). O texto agora retorna para a Câmara dos Deputados, para análise das mudanças promovidas pelo relator, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O projeto foi elaborado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e apresentado em 2016 com mais de 1,7 milhão de assinaturas de cidadãos (PL 4.850/2016, na origem). Ele foi substancialmente modificado na sua passagem pela Câmara dos Deputados, onde recebeu dispositivos que definem e punem o crime de abuso de autoridade de juízes, procuradores e promotores. Essa iniciativa foi vista pelas categorias como “retaliação” do Congresso Nacional às investigações em curso no país.
Esse trecho foi o centro dos debates no Senado. O líder do PSB, Jorge Kajuru (GO), apresentou um pedido de destaque para que os dois artigos do projeto que tratam do abuso de autoridade fossem votados à parte dos demais conteúdos. "Julgo equivocado misturar abuso de autoridade, um assunto polêmico, com o projeto das “Dez Medidas”, que teve amplo apoio popular", justificou.
O relator do PLC 27, Rodrigo Pacheco, argumentou que o projeto não foi desvirtuado. Ele fez um resumo do histórico do tema e dos seus principais pontos, e afirmou que a essência da proposta está preservada no seu relatório, que mantém as principais medidas de combate à corrupção da versão original, como penas maiores para crimes contra a administração pública e definição dos delitos de caixa dois e compra/venda de voto.
Quanto ao abuso de autoridade, Pacheco garantiu que teve “o mais absoluto cuidado” para que a versão final não fosse um instrumento para inibir o trabalho de juízes e procuradores que agem com correção. O senador destacou que incorporou sugestões de representantes da magistratura e do Ministério Público para melhor definir o abuso criminoso. "Quando explicamos que a tipificação visa corrigir excessos abomináveis, casos escabrosos de manifesto arbítrio, a sociedade compreende e aceita. [O abuso de autoridade] não será banalizado", disse Pacheco.
Através de emendas, Pacheco explicitou que as condutas abusivas definidas pelo projeto (ver quadro abaixo) só representarão crime se forem praticadas para “prejudicar” ou “beneficiar” a outros ou a si mesmo, ou quando magistrados e membros do Ministério Público agirem comprovadamente “por mero capricho ou satisfação pessoal”. Além disso, a versão do relator destaca que a simples divergência na interpretação da lei ou na análise de fatos e provas e a realização de investigações preliminares não deverão configurar, de partida, prática criminosa. Por fim, as autoridades condenadas por abuso não poderão mais ser presas em regime fechado, apenas em aberto ou semiaberto.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, elogiou o trabalho de Rodrigo Pacheco e disse que o relatório final é brilhante. Davi relatou que a votação do projeto foi repetidamente adiada ao longo do último mês para que os líderes partidários pudessem buscar um texto mais consensual. Depois desse esforço, mesmo com as discordâncias que ainda persistiram, Davi decidiu levar o assunto para o Plenário.
Mudanças
No total, Rodrigo Pacheco promoveu sete mudanças de autoria própria sobre o texto da Câmara e acatou 20 emendas de outros senadores. Além das modificações sobre as regras do abuso de autoridade, Pacheco excluiu uma série de dispositivos que haviam sido adicionados pelos deputados. É o caso, por exemplo, das penas escalonadas, uma inovação que aumentava o tempo de prisão em crimes como peculato e corrupção ativa e passiva de acordo com o valor da vantagem financeira obtida indevidamente.
Também saem as mudanças nas regras de prescrição de atos de improbidade administrativa, que seriam unificadas em um prazo de dez anos (atualmente há vários prazos, dependendo do caso). O relator ainda removeu alterações nas regras dos embargos de declaração, que tornariam esses recursos menos frequentes, e o endurecimento da pena para o crime de estelionato — esta última medida já constava do texto original formulado pelos procuradores.
Por fim, Rodrigo Pacheco retirou do projeto todos os dispositivos que alteram o Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 1941). Ele argumenta que já existe uma reforma do Código em andamento no Congresso, e que é mais adequado que quaisquer mudanças sejam concentradas nesse trabalho.
Por outro lado, o relatório de Rodrigo Pacheco resgatou a criação da ação civil de extinção de domínio, instrumento usado para reaver bens conquistados de forma ilícita mesmo sem a responsabilização penal dos indivíduos. A ferramenta estava no texto original elaborado pela ANPR mas havia sido retirada pelos deputados.
PRINCIPAIS PONTOS
Crimes contra a administração pública
- Quais são:
Corrupção ativa e passiva
Peculato: quando o servidor público se apropriar de dinheiro ou outro bem material com o qual teve contato em razão do cargo
Concussão: quando o servidor público exige vantagem indevida em razão do cargo
Excesso de exação: quando o servidor público exige pagamento de um tributo que não é devido ou cobra um tributo devido de forma vexatória
Inserção de dados falsos em sistemas de informação
- As penas-base são elevadas para de 4 a 12 anos de prisão. A multa será proporcional ao prejuízo aos cofres públicos, e será obrigatória a prestação de serviços comunitários
- Serão considerados hediondos quando o prejuízo à administração pública for igual ou superior a 10 mil salários mínimos
Crimes eleitorais e partidos políticos
- Caixa dois: arrecadar dinheiro paralelamente à contabilidade exigida pela lei eleitoral; doador também será punido
Pena: multa de dois a cinco anos de prisão, aumentada em até dois terços se a fonte dos recursos for proibida pela lei
- Venda de voto: negociar o voto com candidato ou seu representante em troca de vantagem
Pena: multa e de um a quatro anos de prisão
- Partidos e seus dirigentes poderão ser punidos por caixa dois, lavagem de dinheiro e uso de verbas provenientes de fontes proibidas
Pena para os partidos: multa de 5%-20% do seu fundo partidário (não pode ser inferior ao valor da vantagem ilegal)
- Partidos deverão ter código de ética para os filiados e mecanismos internos de auditoria e denúncia
Ação civil de extinção de domínio
- Instrumento para tomar de indivíduos ou organizações bens provenientes de atividade ilícita ou utilizados como meio para atividade ilícita
- A decisão independe da aferição de responsabilidade civil ou criminal, e pode ser tomada mesmo que o titular dos bens não seja identificado
- A transmissão dos bens por doação ou herança não invalida a ação
- Quem ajudar na localização de bens para extinção de domínio poderá receber recompensa de até 5% do valor dos bens
- Cabível em caso dos seguintes crimes:
Crimes contra a administração pública
Tráfico de pessoas
Tráfico de armas de fogo
Tráfico de influência
Extorsão mediante sequestro
Enriquecimento ilícito
Fabricação ou transporte de drogas
Duração razoável de processos
- Duração considerada razoável: 3 anos na primeira instância e 1 ano em cada instância recursal
- Tribunais devem manter estatísticas da duração dos processos e encaminhá-las para os conselhos nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP), que devem tomar medidas administrativas e disciplinares contra morosidade dos processos
- Juízes de tribunais podem pedir vista de recurso por no máximo 10 dias. Após esse prazo, o recurso será votado com ou sem a participação do juiz que pediu vista. Poderá ser designado um substituto para votar no seu lugar
Treinamento de agentes públicos
- Órgãos públicos poderão realizar treinamentos periódicos com seus servidores para orientá-los sobre improbidade administrativa. Esses treinamentos também poderão ser requisitos para ingresso no cargo
- O Ministério da Transparência, a Corregedoria-Geral da União (CGU) e as corregedorias internas dos órgãos poderão exigir esses treinamentos em áreas onde seja mais comum a ocorrência de corrupção e improbidade
Ações populares e ações civis públicas
- São ampliadas as hipóteses cabíveis para ação popular, que agora incluem atos lesivos a:
Patrimônio público
Meio ambiente
Moralidade administrativa
Patrimônio histórico e cultural
- O autor fica isento de custos processuais, exceto em caso de má-fé
- Se for a fonte primária das informações que embasam a ação, autor terá direito a retribuição de até 20% do valor da condenação
- Em casos excepcionais, ações populares podem tramitar em segredo de justiça
- Na ação civil pública, o propositor pagará custas processuais e os honorários advocatícios quando agir com má-fé, intenção de promoção pessoal ou de perseguição política
Abuso de autoridade
- Juízes e procuradores podem ser incriminados por:
Proferir julgamento em caso de impedimento legal
Instaurar procedimento sem indícios
Atuar com evidente motivação político-partidária
Exercer outra função pública (exceto magistério) ou atividade empresarial
Manifestar juízo de valor sobre processo pendente de julgamento
- As condutas só são criminosas quando praticadas com finalidade específica de prejudicar ou beneficiar ou por capricho ou satisfação pessoal. Também não caracteriza crime a investigação preliminar sobre notícia de fato
- Divergências na interpretação da lei e na análise de fatos e provas não configuram crime
- Pena: de seis meses a dois anos de detenção, em regime aberto ou semiaberto
- Qualquer cidadão pode representar contra juízes e procuradores nos casos em questão
Improbidade administrativa
- É crime a representação contra agente público por improbidade se o denunciante sabe da inocência do acusado ou pratica a denúncia de forma temerária
- Pena: multa de seis meses a dois anos de prisão, além de indenização por danos morais e materiais, se couber
- É vedada a conciliação em ações de improbidade, exceto em caso de acordos de leniência
Advogados
- São crimes:
A violação das prerrogativas do advogado, previstas no Estatuto da Advocacia
O exercício irregular da advocacia e o anúncio de serviços de advocacia sem a qualificação exigida, mesmo que gratuitamente
- Pena: multa e de um a dois anos de prisão
- A Ordem dos Advogados do Brasil pode requerer inquérito policial e diligências para apurar esses crimes
O advogado ofendido pode propor ação penal privada concorrente
- Em audiências, o advogado sentará ao lado do seu cliente e no mesmo plano do juiz e do membro do Ministério Público
Fonte: Agência Senado